sábado, 5 de abril de 2014

Grávida é obrigada a fazer cesárea e tema vira alvo de debate 

''A mulher fazia questão de ter a filha naturalmente, mas, para os médicos, ela e o bebê corriam risco de morrer''

Decisão da Justiça de obrigar uma gestante a se submeter a um parto cirúrgico divide especialistas e vira tema de debates (Reprodução / Rede Record)


A mulher submetida a uma cesariana contra a própria vontade, por determinação da Justiça, em Torres (RS), deixou a maternidade ontem, com Yuja Kali no colo, prometendo processar o hospital. Adelir Lemos de Goes chegou à unidade de saúde, na última segunda-feira, com dores fortes. Foi aconselhada a fazer o parto cirúrgico de imediato, devido a riscos de morte para mãe e filha. Ela se negou, assinou um termo de responsabilidade e voltou para casa, pois queria ter o bebê de forma natural. Os médicos acionaram o Ministério Público que, em uma iniciativa nunca antes noticiada, obteve uma decisão judicial determinando que a mulher fosse submetida aos procedimentos necessários à preservação da vida da menina. O caso reacendeu o debate em torno dos limites do Estado sobre escolhas individuais e da preponderância do parto cesáreo em detrimento do normal.

O último levantamento, que reúne dados das redes públicas e privadas, relativos a 2010, mostra um quadro preocupante: um em cada dois partos (50%) realizados no país é cirúrgico. Na rede privada, a proporção chega a 82%. No Sistema Único de Saúde (SUS), embora o governo promova campanhas para incentivar o parto natural, a proporção de cesarianas não para de crescer, passou de 38% em 2011 para 48% no ano passado.

A controvérsia do tema explica a repercussão que o caso de Torres ganhou, com manifestações na web contra a “violência obstétrica” e a convocação virtual de uma marcha em Brasília. “O que pedimos foi que essa mãe se submetesse a tratamento adequado, e não a parto cesáreo ou normal, para tutelar a vida da criança, já que, com base em laudos médicos entregues pela Secretaria Municipal de Saúde, havia risco iminente de morte”, explica Octavio Noronha, promotor de Justiça que ajuizou a ação.

Segundo as informações médicas, a mulher já tinha mais de 42 semanas de gestação, havia feito duas cesáreas anteriores com risco de a cicatriz se romper no caso de um parto normal, e a criança não estava bem posicionada, circunstâncias que justificariam a intervenção cirúrgica. Nem em relação a isso, porém, há consenso. Segundo Olímpio Moraes, vice-presidente de Federação das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) no Nordeste, embora haja indicação de cesariana para algumas das condições descritas, não se pode obrigar uma paciente a se submeter a determinado procedimento. “Se ela disser que vai parir na beira do rio, com uma parteira, num sítio, ninguém pode prender essa mulher e obrigá-la a parir de outra forma. A mulher tem que ter autonomia. O que me intriga é saber se essa mulher, mesmo alertada pelos médicos do perigo, manteve a disposição de fazer o parto normal. É preciso mais detalhes do caso”, diz Moraes.

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